segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Carta aberta ao Presidente da República portuguesa - Nuno Dala



Excelência,
Queira receber os meus melhores cumprimentos e votos cândidos de que Sua Ilustre Pessoa esteja a gozar de boa saúde, ao mesmo tempo que desejo bons ventos no desempenho das suas funções de Chefe de Estado da República Portuguesa, cargo ao qual chegou pela vontade dos cidadãos eleitores portugueses, expressa nas urnas.

A razão que subjaz à escrita dessa carta aberta, endereçada à Sua Excelência, radica na incompreensível mensagem congratulatória dirigida ao senhor João Manuel Gonçalves Lourenço, na qual lhe concede os parabéns por ter sido eleito Presidente da República de Angola.
Sua Excelência foi totalmente infeliz ao felicitar a referida pessoa, pelas seguintes razões:
1. A Comissão Nacional Eleitoral da República de Angola (CNE) ainda não declarou vencedor a nenhum dos candidatos e os respectivos partidos pelos quais concorreram às eleições de 23 de Agosto do ano em curso;
2. O processo de escrutínio dos votos só foi iniciado pelos centros provinciais de escrutínio da CNE a 25 de Agosto, depois que essa instituição se viu obrigada a assim proceder, pois, violando escandalosamente a Lei Eleitoral vigente em Angola e a ética eleitoral, tinha dado início a 24 de Agosto ao anúncio de resultados totalmente forjados, na medida em que, tal como demonstrado por um grupo de comissários da CNE, os dados anunciados não eram originários dos centros provinciais de escrutínio;
3. À cautela, o partido UNITA e a coligação CASA-CE montaram e puseram a funcionar seus próprios centros de escrutínio paralelos, sendo que a UNITA conseguiu provar – mediante apresentação de actas operacionais e actas-sínteses – que, na verdade, a maioria qualificada (primeiro anunciada como sendo de 64%, a 24 de Agosto, e agora de 61%, como anunciada a 25 de Agosto) às pressas pelo MPLA não passa de ficção mirabolante. Note-se que, muito antes de a CNE ter dado início à divulgação de tais resultados falsos, já o responsável da campanha do MPLA afirmara que o seu partido tinha 66% dos votos!;
4. O processo de escrutínio dos votos ainda está em andamento, sendo que, mesmo quando forem concluídos, os resultados a serem anunciados pela CNE deverão, porém, ser confrontados com os dos centros de escrutínio paralelos do partido UNITA e da coligação CASA-CE;
5. O facto de existirem centros de escrutínio paralelos é seguramente estranho a países como Portugal, que Sua Excelência Preside, pois são Estados Democráticos de Direito, onde os processos eleitorais são credíveis, porque as respectivas instituições de administração eleitoral são sérias e fortes. Se assim não fosse, as vitórias eleitorais de Sua Excelência, do Presidente dos Estados Unidos (Donald Trump) e do Presidente da França (Emmanuel Mácron), respectivamente, teriam sido conseguidas com recurso à fraude. Em Angola, os processos eleitorais não são credíveis. Daí a criação e funcionamento de centros de escrutínio paralelos, graças aos quais os partidos na oposição têm conseguido refutar a falsa estatística apresentada pela CNE, uma instituição que não tem poder real, não passando de instrumento de implementação da engenharia da fraude;
6. Em 2008 e 2012, os resultados eleitorais começaram a ser divulgados pela CNE horas depois da conclusão da votação e do encerramento das milhares de assembleias de voto espalhadas pelo País. Desta vez assim não aconteceu, facto que provocou tremendas suspeitas tanto nos Angolanos como nos partidos na oposição. Os falsos resultados anunciados inicialmente pela CNE no final da tarde de 24 de Agosto são dados de 2012. Tais dados falsos levaram ao total de 100,37%, em clara demonstração do carácter quixotesco da máquina que fabrica tais resultados, a mesma que o fez em 2008 e 2012;
7. Depois do anúncio dos referidos falsos resultados, ao contrário do que tem sido habitual, os militantes do MPLA não fizeram as costumeiras gritarias e festanças. Em 2008 e 2012, militantes e dirigentes do partido nem se deram ao trabalho de aguardar pelos resultados definitivos. As maratonas surgiram aos cogumelos.
Excelência, 
Como poder ver, a Sua declaração de felicitações ao candidato do MPLA é um grave erro político, que põe seriamente em causa a Sua idoneidade tanto de académico e especialista em Direito (um dos mais reputados em Portugal) como de político arguto e expediente.
Sua mensagem de felicitações ao candidato do MPLA, um partido perverso que transformou Angola numa altamente risível anedota civilizacional, configura um desastre de comunicação política. Terá sido Sua Excelência mal assessorado?
Durante os 374 dias em que estive preso, junto com outros companheiros do célebre Processo 15+2 (sob a ridícula acusação de ter praticado actos preparatórios de rebelião e atentado contra o Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, e sob a sentença de actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores), calaram-me no fundo da alma as incontáveis manifestações de solidariedade do Povo Português, que muito se bateu pela nossa libertação.
Constituiu para mim uma aziaga surpresa o facto de Sua Excelência ter felicitado não apenas um falso vencedor como, também, de ter legitimado a fraude que o regime do MPLA está a forjar, o mesmo regime cujas figuras fizeram de Portugal uma gigantesca lavandaria de dinheiro. Sim, milhões e milhões de euros depredados do erário público de Angola, cujo Povo vive numa revoltante e inenarrável miséria.
A Sua mensagem de felicitações ao sucessor do ditador José Eduardo dos Santos envergonha todos os Angolanos e Portugueses que são pessoas de bem.
A Sua mensagem de felicitações ao candidato do partido-gângster faz de Sua Excelência um cúmplice do regime perverso e nojento do MPLA, tal como o são os analistas amorais locais, que se apresentam como académicos, mas que não passam de mercenários, aos quais tem sido atribuído tempo e espaço nos órgãos de comunicação social públicos e seus apêndices para defenderem o regime de José Eduardo dos Santos, recorrendo a elucubrações baratas de advogados desalmados.
Sua Excelência desrespeitou o Povo Angolano.
Ao terminar essa já longa carta, aconselho Sua Excelência a retratar-se. Ao fazê-lo, talvez recupere a credibilidade.
Subscrevo-me
NUNO ÁLVARO DALA
Luanda, 28 de Agosto de 2017

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